Última postagem de 2013.
Este texto é dedicado a
minha querida amiga Youssef, representando todas as pessoas que são chatas e
não apreciam muito as festas de final de ano. O texto é puramente descritivo,
baseado em um caso vivenciado por mim. Não estou pedindo para que ninguém passe
a pensar como eu, apenas peço um pouco mais de tolerância e respeito para com
os milhares de Grinchs misantropos espalhados
pela sociedade.
Eu estava na minha baia,
sentado junto ao computador, redigindo mais um dos inúmeros documentos a que
estava acostumado. Era apenas mais um dia rotineiro no escritório. Quando digo
“rotineiro”, mas não quero que o leitor entenda esse adjetivo como algo
negativo. Pelo contrário, eu o utilizo como uma das coisas mais maravilhosas
que poderiam me acontecer.
Cito que eu estava em minha
amada e repetitiva rotina, porque ela estava para ser abalada. Mal sabia eu que
eu estava prestes a receber um enorme chute em meus testículos. Graças a Deus,
não literalmente, pelo menos. A dona Goreth, minha chefe – e a mulher mais doce
que eu já conheci depois de mamãe e vovó –, seria a responsável pelo chute.
Dona Goreth era uma velhinha
cuja idade era uma incógnita (mas que deveria ter pelo menos uns setenta anos),
magra e de aspecto frágil, que parecia que se espirrássemos em sua direção, ela
sairia voando igual uma folha de árvore abandonada ao vento. Brincávamos que
ela era tão leve que parecia precisar de uma âncora amarrada a uma das pernas
em dias de vendaval. Difícil acreditar que uma mulher desse porte pudesse
chutar meus colhões.
Enquanto eu trabalhava a
dona Goreth, apesar de ser minha chefe, gentilmente bateu em minha porta
pedindo licença pela interrupção, pedindo que eu a encontrasse na cozinha, onde
os funcionários tomavam um cafezinho e tinham alguns momentos de descontração
no dia de trabalho. Eu estava salvando o documento no computador, quando
percebi que ela chamava os demais funcionários em suas baias. Marchamos todos
em direção a sua sala.
Com os doze funcionários
apertadamente reunidos na cozinha, a dona Goreth anunciou, com sua voz suave:
- Gente, tá chegando o Natal
e nós precisamos marcar a data da nossa confraternização e fazer o sorteio do
amigo secreto.
Creio que não foi apenas um
chute, mas sim dois chutes, um em cada gônada: confraternização e amigo
secreto!
Ouvi alguns aplausos e
risinhos de felicidade, todos satisfeitos pela festinha. O povinho do
escritório é bem festeiro, adora essas ocasiões. O único alienígena ali sou eu.
- Só que vocês sabem muito
bem que nosso escritório possui uma peculiaridade: é no Natal que tem mais
serviço, que o negócio aperta. Hoje é dia 20 de novembro, então falta pouco
mais de um mês pro Natal ainda. Só que eu queria marcar nossa festinha pra no
máximo daqui duas semanas. – após uma pausa, continuou, olhando para mim e mais
duas colegas de trabalho – Eu queria saber de vocês três, que são os que
estudam, como que tá as aulas, as provas? Já acabou, não acabou, como é que é?
- Ah, a minha acaba sexta-feira
agora, só faltam mais duas provas, dona Goreth. – disse uma das funcionárias, a
minha esquerda.
- Pra mim faltam quatro
provas ainda, mas até semana que vem acabam todas. – respondeu a funcionária a
minha direita.
Após um momento de silêncio,
percebi que todos olhavam para mim, que era o único que ainda não respondera a
dona Goreth. Só percebi isso quando recebi uma discreta cotovelada da
funcionária da direita.
- Eu ainda tenho todas as
provas e alguns trabalhos para fazer, dona Goreth, nem sei quando acabam, mas
não se preocupem comigo. Podem fazer a festinha sem mim mesmo, não quero
atrapalhar vocês. – disse eu, torcendo para ela morder a isca e aceitar minha
ideia.
- DE JEITO NENHUM! – falou
dona Goreth, em tom sério, mas maternal. – Todo mundo ter que participar, Kily,
inclusive você! Faço questão da sua presença lá. Trate de ver até quando vão
suas provas e me dê uma resposta amanhã, para marcarmos o dia da
confraternização.
- Sim senhora. – respondi.
- Por ora, vamos fazer o
sorteio do amigo secreto. – disse ela, sorrindo e pegando em sua mesa uma
caixinha improvisada, que continha papeizinhos dobrados, cada um contendo o
nome dos funcionários da empresa. Eram 14 papeis, sendo doze com os nossos
nomes, mais um com o nome da dona Goreth e outro com o do Seu Chico, marido
dela e nosso patrão.
Gelei. Não queria participar
do amigo secreto. Entretanto, em nenhum momento dona Goreth disse que a
participação era facultativa. Pelo visto, não teria jeito, eu teria que abdicar
de minha vontade e encarar aquela confraternização como um ônus pelo excelente
emprego que eu tinha dentro da empresa. As frustrações que eu não passava
trabalhando, acabaria passando na confraternização. Ou “festinha”, como preferiam
chamar meus coleguinhas.
- Dona Goreth, eu acho que
eu não quero participar do amigo secreto. – arrisquei, depois de tomar coragem.
Todos olharam para mim. Dona
Goreth olhou para mim surpresa, como se de súbito meu rosto estivesse repleto
de chagas. Ela disse, naquele tom em que não cabia contra-argumento:
- Mas é claro que você quer
participar! Todo mundo vai participar! – e depois, soltou o seu mais belo
sorriso.
Ela distribuiu papel um a
um, inclusive para mim, ignorando meu desejo, como se eu estivesse cometendo um
erro de julgamento. Ao final, sobraram dois papeis.
- Esse aqui é o meu e o
outro eu vou deixar na mesa do Francisco. – disse ela, já que seu simpático
marido não se encontrava no momento.
Mas
que droga! Mas que grande droga! Mas que drogona! Sem
o amigo secreto, eu poderia faltar da festinha e inventar uma desculpa depois.
Dor de cabeça, morte na família, ônibus quebrado, ou outro imprevisto. Qualquer
coisa! Mas com amigo secreto, eu não teria coragem de deixar uma pessoa sem
presente. Detesto amigo secreto, mas eu acho uma sacanagem que participa de
amigo secreto e falta no dia da revelação ou se esquece do presente. São os
maiores trolls do fim de ano.
Após um burburinho, quando o
pessoal conversava e brincava na cozinha, uns sorrindo e dizendo “que bacana!
Adorei ter tirado essa pessoa!”, outros fingindo tentar ver quem as demais
pessoas tiraram, outros ainda dando indireta sobre o presente que gostariam de
ganhar, eu sorria e tentava fingir que eu era um ser humano normal ali naquela
cozinha.
Todos voltaram altivos e
aparentemente mais motivados para o trabalho após aquilo. Agora só dependiam de
mim para marcar o dia da festinha. Voltei para minha baia, sentei-me em minha
cadeira, querendo me afundar no trabalho pelas duas horas que restavam antes de
ir embora, e esquecer aquela festinha estúpida. Foi quando lembrei que eu tinha
me esquecido de abrir meu papelzinho e ver quem era meu amigo ou minha amiga
secreta.
Que
droga, do jeito que eu sou azarado, vou tirar a pessoa que menos tenho afinidade
nesse escritório. To até vendo já! Vou abrir esse papel e vai estar o nome da
Bárbara aqui. Ao menos se eu tirasse a Suzana, que é a única que eu conheço bem
os gostos... aí pelo menos diminuiria a minha desgraça... Acabar jamais.
Abri o papel. Vi o nome ali
escrito. E sorri.
Obrigado
meu Deus. Eu te amo do fundo do meu coração! Ô glória!
No papel, escrito numa
caligrafia dura e feia, meu próprio nome: Kily! Eu havia tirado eu mesmo! Eu
estava fora do amigo secreto! Já comecei a fazer planos. Iria ver em que dia
cairia a minha última prova e diria para dona Goreth no dia seguinte para
marcar a confraternização no dia dessa prova. Depois, eu inventaria a desculpa
de que a prova fora remarcada de última hora e por isso eu não pude ir. Quanto
ao amigo secreto, bem, para isso eu inventaria uma desculpa depois. O
importante era que eu estava salvo.
Até 2014, com o Pra Gente Rir rumo a 1 milhão de visualizações!