dia desses fui para ourinhos, para consultar meu oftalmologista (ou para ele me consultar?), e como teria que ficar o dia inteiro naquela adorável cidade, em determinado momento daquela tarde, quando o próximo exame seria dali mais de uma hora, resolvi sentar num banco da praça da igreja matriz - bela igreja, por sinal - e como não conheço quase ninguém naquela merda de cidade, relaxei um pouco, a ponto de cochilar ali mesmo, em plena praça pública. conto aqui estes detalhes vexatórios pq talvez eles expliquem o fato de eu ter tido, naquela ocasião, o sonho mais cabuloso que consigo me recordar. talvez tenha sido o sol da tarde em zênite com minha testa, ou o ar poluído de cana queimada (não sei se eles realmente queimam cana lá, mas é o que parece) daquela cidade dos infernos. mas o sonho em si não importa, o que importa mesmo é que, assim que despertei, instintivamente olhei ao redor para me certificar de onde me encontrava. com as coordenadas espaciais estabelecidas, foi a vez das coordenadas temporais. fui tomado pelo medo de ter dormido muito, pois era o que parecia ter acontecido (deu até tempo de sonhar), mas na verdade só haviam se passado alguns minutos. a próxima medida de segurança após acordar em um local não familiar foi, discretamente, olhar em volta a procura de algum conhecido que poderia ter me visto dormindo ali. para minha sorte, indo contra todas as probabilidades matemáticas (e até mesmo possibilidades físicas), bem ali se encontrava, no banco da frente, a uns dez metros de distância, um colega de trabalho. ao menos era o que parecia, talvez. de qualquer forma, para fins simplificadores, vou assumir que realmente era tal pessoa. seu nome é diones.
diones estava sentado de frente para mim, mas parecia não ter me notado. parecia aguardar alguém iminente, seu olhar se voltava alternadamente para esquerda e para direita, algumas vezes olhava sobre o ombro esquerdo para verificar se alguém vinha dali. tinha as mãos sobre os joelhos, de uma maneira confortável, de forma que seus dedos repousassem na parte interior de suas pernas, apontando uns para os outros, mais para o chão talvez, e seus polegares indicassem sua virilha, de forma bem natural. mas isso não era o que mais chamava a atenção para sua pessoa, e sim a maneira como movimentava os tornozelos, para cima e para baixo, retirando os calcanhares do chão, para cima e para baixo, mas sempre mantendo a ponta dos pés em contato com o solo. vc pode achar tudo isso sem importância, e eu até diria que era, se não fosse por um curioso detalhe. seus sapatos. havia algo de especial naqueles sapatos, algo que eu não saberia dizer o que era. à primeira vista não passavam de simples sapatos pretos, de bico quadrado, sem qualquer tipo de amarras, exigindo que o encaixe com os pés do dono fosse perfeito. notava-se que ja haviam sido bem usados, porém estavam bem lustrados, eu diria até cuidadosamente lustrados. eles chamavam tanto a atenção para si que se tornava insignificante o fato de diones não calçar meias, e de suas calças serem demasiado curtas também. eu poderia descrever melhor aqueles magníficos sapatos, mas acho melhor apenas contar o que se sucedeu, assim vc poderá entender por si mesmo a importância de tais preciosidades.
o diálogo que reproduzo a seguir é uma versão, quase que integral, do que me recordo de ter ouvido então, entre diones (que falava de forma muito mais polida e agia de forma muito mais decorosa do que de costume) e carl, que havia se aproximado sem que eu percebesse, e se destacado do resto dos transeuntes apenas quando dirigiu a palavra para diones. as características físicas relevantes de carl poderão ser percebidas no diálogo, portanto não farei sua descrição. outras informações interessantes poderão ser percebidas pelo leitor atento, como a relação entre as duas personagens, de intimidade, porém altamente respeitosa. enfim:
carl - e então? como foi lá?
diones - oh, vc não vai acreditar, foi tudo maravilhoso!
c - sério? eles gostaram?
d - se eles gostaram? eles amaram. do começo ao fim, foi tudo perfeito!
c - haha, parabéns diones, eu sabia que vc ia conseguir. conte-me, conte-me como foi, homem.
d - sabe de uma coisa?
c - o que?
d - vc estava certo. eu quase não acreditei, mas... foram Eles carl. o jeito como eles olhavam, quero dizer, eles não paravam de olhar para Eles, e então... foram os sapatos carl, vc estava certo, foram Eles...
continua...
a segunda, e última, parte dessa história já está escrita, e se encontra num bloco de notas no meu desktop, porém só irei publicá-la se houver um número satisfatório de comentários clamando por ela, que, confesso, é a melhor de todas.
lembre-se que comentando nesse post vc concorre ao prêmio que será sorteado após eu publicar a última parte desta história, além de ajudar os cientistas na busca pela cura ao câncer.
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