Um texto escrito no banheiro.¹
Cá estou eu pensando: “qual será o lado correto do rolo de papel higiênico?”.
Pode parecer uma pergunta tola para alguns, mas eu a considero extremamente relevante – eu diria, uma das perguntas filosóficas mais importantes da história da humanidade. Pra quem não sabe, o papel higiênico é uma ferramenta muito importante na vida de qualquer pessoa. Desde o mais pobre até o mais velho. E o uso dessa ferramenta começou há muito, muito tempo atrás. Inicialmente, o papel higiênico usado nada mais era do que folha de alguma planta. Algumas vezes, nossos ancestrais utilizavam folhas com propriedades urticantes. E aí o resultado desse uso não era muito legal.
O tempo passou, passou e passou mais um pouco, até chegarmos na Era Moderna do Papel Higiênico. Com o declínio do feudalismo e o advento do capetalismo¹, o tipo de papel higiênico se tornou motivo de status social. Enquanto a burguesia já utilizava o atual papel higiênico extra macio, de folhas duplas e com cheirinho de flores (pra deixar um odor agradável na pele dos consumidores), o proletariado utilizava sabugo de milho recém consumido para realizar suas limpezas – num típico reaproveitamento de material por parte dos menos abastados. E, abaixo deles, os miseráveis, que faziam das próprias mãos suas ferramentas de limpeza pós-uso da latrina.
Felizmente, o papel higiênico se popularizou e tornou-se um recurso disponível até para a parcela mais pobre da sociedade (da qual faço parte). No entanto, é um produto cuja venda é realizada de forma abusiva pelos fabricantes, que competem pela venda de um material de má qualidade, anunciado como sendo “o que há de melhor e mais moderno no mercado atualmente” e sob a alegação de uma falsa promoção. Já me cansei de ver no mercado as promoções do tipo “Leve 16 e pague 15” (inclusive, já vi até o antológico “Leve 15 e pague 16”). O que os consumidores precisam saber é que a qualidade do material é tão pífia que não vale a pena essa suposta economia.
Inicialmente, os rolos de papel higiênico não eram afixados em nenhum lugar específico. Alguns optavam por deixá-lo no chão. Outros, na mesa da cozinha. E essa falta de padrão gerava alguns transtornos para os consumidores. No primeiro caso, o vira-lata da família podia ir lá e comer todo o papel higiênico, fazendo uma enorme bagunça no banheiro. No segundo, o usuário, desprevenido, podia acabar usando o banheiro, sem saber que não havia munição disponível para seu usufruto, assim que encerrasse sua obra. Então, um cara muito inteligente, cujo nome não pode ser pronunciado em voz alta sem que a pessoa morra, teve a ideia de criar um suporte para manter fixo o rolo de papel higiênico. Diz a lenda que na verdade esse cara roubou a invenção de um colega seu, o verdadeiro idealizador do projeto. Não se sabe se isso é verdade ou mito. Tudo o que se sabe é que o suposto criador do invento, cujo nome não pode ser pronunciado em voz alta sem que a pessoa morra, morreu depois de concluir sua invenção, afogado na própria privada – e, como ainda diz a lenda, logo após pronunciar seu próprio nome em voz alta, cumprindo assim a supracitada profecia.
Com a súbita morte do falecido inventor desse genial invento recém inventado, uma questão ficou sem resposta: qual é o lado correto do rolo do papel higiênico? A ponta que puxamos para utilizar o produto deve ficar na parte de cima ou de baixo do rolo?
Uma pergunta, à primeira vista tão trivial, tem sido objeto de análise de inúmeros cientistas, que almejam alcançar uma resposta definitiva para a polêmica questão, baseada em evidências empíricas. E é uma pergunta de grande relevância social, dado que o consumo de papel higiênico cresce a cada ano, com preços exorbitantes, preços esses que sobem mais do que o da gasolina e o da energia elétrica juntos. Só podemos concluir uma coisa disso: alguém está ganhando muito dinheiro com essa desinformação. E, provavelmente, temo dizer, esse alguém é um chefão da indústria do papel higiênico.
Visando responder ao questionamento da área, os pesquisadores se debruçam sobre três indicadores, para chegar numa resposta definitiva. São eles: a) facilidade do manuseio; b) economia do produto; c) estética da configuração escolhida. E, a disputa, seguindo esses parâmetros, segue empatada.
Quando o assunto é facilidade do manuseio, a Corrente “A” leva a melhor. As últimas pesquisas apontam que com a ponta para cima, as chances da ponta se romper é menor, o que ajuda o usuário a utilizar o produto. Em contrapartida, no quesito economia do produto, a Corrente “B” leva a melhor. De fato, parece existir uma relação inversamente proporcional entre a facilidade de manuseio do produto e a quantidade de produto utilizado. Segundo defensores da Corrente “B”, que preconiza que a aba móvel deve ficar para baixo, isso impede desperdícios e facilita que a linha pontilhada destaque o papel, quando assim for desejado pelo usuário. E, finalmente, quando chegamos no critério de desempate, a estética da configuração escolhida é o mais polêmico de todos. E é nesse quesito que os estudiosos da área mais têm se dedicado, pois é nele que parece que há uma esperança para ambas as correntes desempatarem o embate, e venceram essa disputa, que já dura mais de cinco décadas no meio científico. No entanto, a questão estética é influenciada pelo design do papel higiênico de cada fabricante. E como o design varia de empresa para empresa, fica difícil chegar a um consenso. Teóricos da área afirmam que deveria haver uma síntese epistemológica, visando estabelecer um parâmetro cientificamente válido e ontologicamente consistente para que todas as fábricas adotem, ao confeccionar seus produtos. No entanto, outros teóricos acreditam que isso seria um retrocesso, ao abrir mão da pluridiversidade do fenômeno papelesco higienesco.
Enquanto os cientistas não encontram uma solução, continuamos acompanhando esse embate, com importantes consequências para toda a sociedade. Espero que uma solução ocorra em breve, para que os preços desse produto caiam ainda mais e para que deixemos de ser explorados pela terrível indústria do papel higiênico.
¹ Agradeço a Tampinha pelas ricas contribuições e sugestões feitas durante a confecção desse texto. Dedico a ela essa publicação. O termo "capetalismo" é uma sugestão que tem a marca registrada dela. É um termo que se refere ao sistema socioeconômico criado pelo capeta.
Procuradas pela produção do Pra Gente Rir, apenas uma das correntes
sobre o Dilema do Papel Higiênico foi encontrada para expressar sua
opinião sobre o tema. Acima, segue uma ilustração que mostra o posicionamento
dessa corrente teórica.