quinta-feira, 12 de julho de 2012

O Emprego - Parte I

{Este texto possui o menor número de palavras de baixo calão possível, pois eu sou um menino educadinho. Dedico este texto para minha mãezinha, que sempre quer que eu arrume um emprego. Dedico também para todas as outras pessoas que estão na busca por emprego. E por último, mas não menos importante, dedico este texto ao Julius - que possui dois empregos -, a todos os cegos, aos analfabetos e às criancinhas desnutridas da África.}

Matheus vestia-se em traje social completo: camisa social, calça social, sapatos sociais, gravata e paletó. Tudo emprestado de seu amigo Zeca, que, por sua vez, pedira emprestado para um tio. De pé no quarto, besuntando o cabelo com azeite, Matheus terminava de se arrumar. Deitado na cama, estava Zeca, vestindo bermuda, camiseta regata e chinelas. A cabeça repousava sobre os braços, que estavam erguidos. E na cabeça, seu inseparável boné fedorento. Enquanto penteava o cabelo, Matheus conversava com Zeca.

- Zeca, foi muita gentileza do seu tio ter emprestado estas roupas para eu usar. Não sei o que seria de mim se não fosse esta ajuda.

- É, o meu tio é mó gente fina! - disse Zeca. - Pena que ele foi preso. - completou. - Por estupro. - completou mais uma vez. E após uma última pausa, encerrou seu pensamento - E virou mulherzinha na prisão...

- Cara, você é um amigão mesmo! - disse Matheus, tentando quebrar o incômodo silêncio. - Quando você me disse que conhecia um cara que poderia me conseguir uma entrevista para este emprego, eu não acreditei, mas você conseguiu mesmo! - e após uma pausa: - Zeca, eu já tentei emprego em outros lugares, mas nenhum em lugar com tanto prestígio quanto este. Se eu conseguir este emprego, meu currículo vai lá pra cima! Que Deus me ajude!

- Amém, mano! - respondeu Zeca, complementando sua resposta com uma eructação.

Matheus deu uma última conferida no espelho. Estava pronto. O cabelo, penteado para o lado direito, brilhava com o excesso de azeite que fora passado no mesmo. Totalmente bem vestido, ele sentiu-se importante usando aquela indumentária social. Anunciou a Zeca que estava pronto. Levantaram-se e saíram. Matheus levava apenas uma pasta transparente consigo, contendo documentos e currículos. Ele exultava com o fato de ter aquela oportunidade de emprego. Nos últimos dois meses, apenas três chances mais claras de emprego, todas mal sucedidas após a entrevista inicial. A frase "qualquer coisa entramos em contato" era seu recorde atual. Sendo um aluno totalmente aplicado, Matheus lamentava por ainda não ter conseguido um emprego, desde que partira em busca de um. Aparentemente, sua aplicação na sala de aula não tinha relevância no momento de buscar uma vaga no mercado de trabalho.

Andando lado a lado rumo ao local da entrevista de emprego, as figuras de Matheus e Zeca provocavam um enorme contraste: além da diferença de como se vestiam, Matheus era quase um palmo mais alto que o amigo, além de ser branco. Zeca, por sua vez, além de ser negro, cultivava um ralo buço acima do lábio, que ele insistia em chamar de bigode. Já Matheus, não possuía sequer um pelo no rosto. Até mesmo o jeito de andar dos dois formava um contraste bizarro: Matheus andava de maneira elegante, fazendo jus a roupa que vestia, enquanto que Zeca andava relaxadamente, agitando repetidamente os braços. Durante o trajeto, Zeca contava suas últimas conquistas amorosas: beijei uma gata, comi uma gostosa, uma coroa ajeitadona deu mole pra mim no baile e blá blá blá. Só não sabia ele que Matheus não prestava a menor atenção em sua palestra, absorto em seus próprios pensamentos, ansioso pela entrevista que o aguardava.

Matheus não sabia onde ficava o local de sua entrevista, por isso seguia os passos de Zeca. Após quase quinze minutos de caminhada e resenha, Zeca parou de falar de suas conquistas para finalmente anunciar que tinham chegado.

Indicando o lugar onde deveriam entrar, Zeca bateu na porta com um toque rítmico. Deveria se tratar de alguma espécie de código secreto. Do outro lado, uma voz masculina gritou que podia entrar. Zeca, fazendo uma mesura, pilheriou:

- O senhor primeiro, excelência.

Sorrindo, Matheus tomou a frente e girou a maçaneta para abrir a porta que Zeca lhe indicara.

[Continua]

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