quarta-feira, 1 de maio de 2013

Tiro de Guerra


A pequena história a seguir se passa no Planeta que só tem três dias.

O jovem garoto está sentado na repartição pública, aguardando atendimento. A mulher que ali trabalhava lhe dera as costas assim que o vira adentrar pela porta principal, saindo mastigando no fundo da repartição. Ele estava nervoso. Como naquele ano completaria a maioridade, ele devia se apresentar à Junta Militar para o alistamento. Estava ansioso, com muito medo. Colegas um ou dois anos mais velhos lhe contaram como era o procedimento. Depois de levar toda a documentação, tinha que agendar um exame físico, que era coletivo. Segundo relatos, todos se postavam em fila indiana, totalmente nus, para exame médico. Sentiu calafrios ao lembrar da piadinha da caneta, em que o instrutor postado numa mesa à frente da sala derrubava a caneta, para que o indefeso jovem a pegasse.

E se eu tiver que ficar pelado lá na frente de um monte de gente? Eu n ao consigo ficar sem camiseta nem perto da minha família! E se derrubarem a caneta justo na minha vez? E se o pessoal ficar reparando e zombando do tamanho minúsculo do meu...

- Paulo Farias!

Paulo levou um susto ao ouvir seu nome ser chamado pela mulher atrás do balcão, sempre com sua cara azeda. O grito que ela dera dava a impressão que a sala estava lotada e que ela precisava anunciar quem era chamado. No entanto, só havia ele aguardando atendimento. Ela solicitou que ele o acompanhasse.

Depois das perguntas de praxe e da coleta de inúmeras assinaturas e impressões digitais de Paulo, este decidiu fazer a pergunta que tanto lhe incomodava.

- Eu preciso vir aqui mais algum dia depois de hoje?

- Eu vou te passar uma data para o seu exame físico e para o juramento à bandeira. – disse a mulher, como se falasse para o monitor do computador.

- E é obrigatória a presença nesses dias? – indagou Paulo, logo arrependendo-se da pergunta.

A mulher atrás da mesa olhou para ele com olhos esbugalhados, como se subitamente percebesse que ele era leproso.

- É obrigatório sim. – disse ela.

- Mas se eu não for? – disse Paulo, decidindo-se por assumir uma postura mais desafiadora.

- Você não entendeu, querido, a presença nesses dias não é opcional, é obrigatória.

- Ta, mas e se eu não for?

- Amorzinho, que parte do obrigatório você não entendeu? – disse a mulher, já sem paciência com Paulo.

- Eu entendi essa parte, moça. Mas o que eu estou dizendo é: o que acontece se eu não for? – disse Paulo, enfatizando as quatro últimas palavras.

E eis que a mulher deu uma estrondosa gargalhada, para surpresa de Paulo.

- O que foi? – indagou ele, atônito.

- Querido, a presença é obrigatória. Não tem essa de “se eu não for”. – explicou a mulher.

- Moça, acho que não estamos falando a mesma língua. Eu já entendi o lance do “obrigatório”, mas o que eu estou dizendo é o seguinte: e se eu, utilizando o meu livre arbítrio, decidir que no dia marcado para o exame físico e o juramento à bandeira, que eu não vou sair de casa e que não vou em lugar algum?

- Mas você vai de qualquer jeito. – disse a mulher, em tom indiferente.

Paulo sentiu um leve avanço na conversa. Sua dúvida estava prestes a ser sanada. Decidiu jogar nova pergunta.

- Ah, então quer dizer que mesmo que eu decida não ir, alguém aqui da Junta Militar vai lá em casa e vai me obrigar a vir, isto é, vai me trazer na força?

- Não Paulo, não é isso. Mas você vai.

FIM.



P.S. esta história parece não ter um fim plausível. É que este diálogo realmente não termina. Quando R e eu conversávamos sobre este diálogo hipotético, há alguns anos atrás, a graça da situação é justamente a ausência de resposta a pergunta do personagem. Ele insiste na pergunta, mas a pessoa insiste em responder por evasivas, ad infinitum.

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