sábado, 24 de junho de 2017

Texto Sem Título

Um texto sobre provas ilegítimas¹ ².

Considere a seguinte cena: Bete, que vem desconfiando de infidelidade marital por parte de Robson, coloca um detetive para investigá-lo. O detetive, de forma mui competente, não só rastreia os encontros de Robson com uma colega de trabalho, como também documenta as provas para entregar para sua cliente. Bete, indignada com a traição, porém querendo manter a compostura, decide que irá confrontar Robson naquela noite, quando ambos chegarem em casa do trabalho. Quando este chega, poucos minutos após a chegada dela própria, Bete revela sua desconfiança, a contratação do detetive, as provas produzidas, e apresenta para um estarrecido Robson os vídeos dele entrando em um carro com sua colega de trabalho e, posteriormente, entrando com o veículo em um estacionamento de motel. Ao terminar de falar tudo o que queria, Bete concede a palavra a Robson, até então totalmente calado. Este, então, argumenta:

- Bete, meu amor, este vídeo é claramente ilegítimo, e prová-lo-ei no presente instante. Falar-lhe-ei claramente o que se passou. De fato, eu entrei no carro com a Jane, minha colega de equipe na empresa. Mas o carro que entrou no motel não corresponde ao carro em que entramos no início da cena. Claramente, há cortes no vídeo. E isso só pode ser coisa de inimigos que estão tentando me difamar. Sê-lo-ia a explicação mais razoável.

Bete, por óbvio, não aceita as explicações do marido. Ao invés de entrar em uma discussão infinita, ela avança na apresentação das provas, entregando a Robson fotografias dele com Jane, entrando no motel. Robson, rebate agora tais provas com a maior calma deste mundo:

- Bete, você por um acaso tinha autorização para me filmar e me fotografar? Fá-lo-ei que saiba que é mister autorização legal para tais documentações. Não permiti-lo-ei que me acuse com tais provas ilegítimas.

De queixo caído, Bete observa Robson deslocar, descaradamente, o foco da discussão do conteúdo da prova para a legitimidade do material enquanto prova.

O pequeno texto acima, embora fictício e absurdo, visa ilustrar um cenário que vem ocorrendo na política nacional. Pouco tempo após a divulgação de áudios de uma conversa envolvendo o presidento e um empresário corrupto, me parece que os advogados do presidento estão tentando deslocar o foco do conteúdo da prova contra ele, para a legitimidade da gravação do áudio e de seu uso como prova³. Em certo sentido, é como se, ao provar que do ponto de vista jurídico o áudio foi feito de forma ilegal, automaticamente apagasse todo o conteúdo do diálogo pelo áudio explicitado. Como se desse para passar a borracha sobre os fatos agora conhecidos, e seguir adiante. Da mesma forma, se exageradamente fizermos uma analogia dos fatos políticos para a história de Bete, as informações obtidas pelo detetive, caso realmente ilegítimas, não teriam valor. Quem, em sã consciência, daria ênfase maior para os meios pelos quais Bete obteve suas informações, do que para o caráter imoral dos comportamentos de Robson? Sem querer me estender, deixo aqui esta reflexão.


¹ Um pequeno update, depois de bastante tempo sem escrever. Não sei mais escrever. Sorry.
² Sempre prometo que não vou mais falar sobre política. Mas acabo voltando ao tema.
³ Obviamente, não estou descartando a importância da discussão de que as provas, em contexto jurídico, sejam obtidas por meios legais. No entanto, este não é o objetivo do texto, e sim problematizar o fato de como facilmente se tem deslocado o foco da discussão, como se o conteúdo dos áudios fosse tema de menor importância.