sábado, 7 de outubro de 2017

Metamorfose ambulante

Um texto meio esquizofrênico. Ou sobre simplesmente ir mudando ao longo do tempo.¹


Até algum tempo atrás, eu achava o WhatsApp uma merda. Hoje em dia, assim como para muitas outras pessoas, ele tem sido uma ferramenta praticamente indispensável para mim. Se me perguntassem há cinco anos, eu diria que não curto tatuagens. Se me perguntarem hoje, direi que acho legal. Enquanto antes eu achava a legalização do aborto uma péssima ideia, hoje em dia, eu o considero um mal necessário.

Então, afinal de contas, qual é o ponto? O ponto é que, em muitos aspectos, estamos mudando. E não é apenas fisicamente. Ora passamos de uma opinião mais conservadora para uma mais liberal, ora é justamente o oposto que acontece. E em tempos de grande exposição via mídias sociais, não é muito difícil que a timeline jogue em nossa cara o quão contraditórios – hipócritas? – estamos sendo. Mas a verdade é que não estamos sendo hipócritas ao professarmos opiniões distintas depois de algum intervalo de tempo: nossas experiências, nosso contexto e as pessoas influentes de nossas vidas têm um papel determinante em tais mudanças que, no fim das contas, são genuínas.

Em meio às metamorfoses que sofremos ao longo do tempo, sempre terá alguma pessoa em nossas vidas, que por algum motivo, a vida tratou de afastar – ou terá sido nós mesmos? –, que ao nos reencontrar, dirá algo do tipo: “nossa, mas como você está mudado, você não era assim”. Ou então “não estou te reconhecendo nesses comentários”. Talvez a grande questão seja essa: será que por ser eu ainda o mesmo organismo vivo que seguiu um percurso histórico desde quando fui concebido, alguma essência se mantém? Existe algo em mim – ou em qualquer outra pessoa – que se mantém imutável ao longo do tempo, a despeito das mudanças que ocorrem à nossa volta, ou mesmo do próprio fluxo do tempo?

Mas isso já me traz outro pensamento, que é: e qual é o grande problema em mudar? Isso não deveria ser problemático, pelo contrário, o problema seria nunca mudar, o que denotaria uma rigidez mental e uma dificuldade em aprender a partir das próprias experiências. No entanto, construímos esquemas mentais muitas vezes tão rígidos sobre as pessoas que conhecemos, que não estamos preparados para compreender que esse esquema é apenas uma descrição mais ou menos deturpada do que a pessoa de fato é – ou de quem ela de fato foi, tempos atrás. Aceitar que as pessoas mudam pode ser desafiador porque isso nos coloca em face de aceitar que o lugar seguro ou o conforto de ter um ambiente que não muda é uma ilusão. E isso também lança o desafio de constantemente reaprendermos a amar as pessoas que também estão mudando, e que em algum momento deixarão de ser aquelas pessoas que inicialmente tocaram nossos corações.

Meu nome é Kily, tenho 26 anos, finalmente terminei a faculdade, faz apenas seis anos que comecei esse blog, e cinco anos e meio desde que saí de casa. Pode parecer bem pouco tempo, em um primeiro olhar, mas esse tempo foi o suficiente para eu me tornar uma pessoa bem diferente daquele menino imberbe que, cheio de medos e inseguranças, embarcou em uma loucura e decidiu deixar tudo para trás e se mudar para Brasília e começar uma grande aventura na capital do país. E para aquelas pessoas que me conheceram em diferentes épocas, mas que não se dispuseram ou não puderam, não conseguiram a me conhecer novamente, eu gostaria de simplesmente dizer: muito prazer em (re)conhecê-lo/a, meu nome é Kily. 😀


¹ Com carinho, dedico esse texto para a minha tatuadora oficial. Obrigado por ser minha amiga mesmo em meio a tantas metamorfoses que a vida nos proporciona, Kiwi.   

sábado, 24 de junho de 2017

Texto Sem Título

Um texto sobre provas ilegítimas¹ ².

Considere a seguinte cena: Bete, que vem desconfiando de infidelidade marital por parte de Robson, coloca um detetive para investigá-lo. O detetive, de forma mui competente, não só rastreia os encontros de Robson com uma colega de trabalho, como também documenta as provas para entregar para sua cliente. Bete, indignada com a traição, porém querendo manter a compostura, decide que irá confrontar Robson naquela noite, quando ambos chegarem em casa do trabalho. Quando este chega, poucos minutos após a chegada dela própria, Bete revela sua desconfiança, a contratação do detetive, as provas produzidas, e apresenta para um estarrecido Robson os vídeos dele entrando em um carro com sua colega de trabalho e, posteriormente, entrando com o veículo em um estacionamento de motel. Ao terminar de falar tudo o que queria, Bete concede a palavra a Robson, até então totalmente calado. Este, então, argumenta:

- Bete, meu amor, este vídeo é claramente ilegítimo, e prová-lo-ei no presente instante. Falar-lhe-ei claramente o que se passou. De fato, eu entrei no carro com a Jane, minha colega de equipe na empresa. Mas o carro que entrou no motel não corresponde ao carro em que entramos no início da cena. Claramente, há cortes no vídeo. E isso só pode ser coisa de inimigos que estão tentando me difamar. Sê-lo-ia a explicação mais razoável.

Bete, por óbvio, não aceita as explicações do marido. Ao invés de entrar em uma discussão infinita, ela avança na apresentação das provas, entregando a Robson fotografias dele com Jane, entrando no motel. Robson, rebate agora tais provas com a maior calma deste mundo:

- Bete, você por um acaso tinha autorização para me filmar e me fotografar? Fá-lo-ei que saiba que é mister autorização legal para tais documentações. Não permiti-lo-ei que me acuse com tais provas ilegítimas.

De queixo caído, Bete observa Robson deslocar, descaradamente, o foco da discussão do conteúdo da prova para a legitimidade do material enquanto prova.

O pequeno texto acima, embora fictício e absurdo, visa ilustrar um cenário que vem ocorrendo na política nacional. Pouco tempo após a divulgação de áudios de uma conversa envolvendo o presidento e um empresário corrupto, me parece que os advogados do presidento estão tentando deslocar o foco do conteúdo da prova contra ele, para a legitimidade da gravação do áudio e de seu uso como prova³. Em certo sentido, é como se, ao provar que do ponto de vista jurídico o áudio foi feito de forma ilegal, automaticamente apagasse todo o conteúdo do diálogo pelo áudio explicitado. Como se desse para passar a borracha sobre os fatos agora conhecidos, e seguir adiante. Da mesma forma, se exageradamente fizermos uma analogia dos fatos políticos para a história de Bete, as informações obtidas pelo detetive, caso realmente ilegítimas, não teriam valor. Quem, em sã consciência, daria ênfase maior para os meios pelos quais Bete obteve suas informações, do que para o caráter imoral dos comportamentos de Robson? Sem querer me estender, deixo aqui esta reflexão.


¹ Um pequeno update, depois de bastante tempo sem escrever. Não sei mais escrever. Sorry.
² Sempre prometo que não vou mais falar sobre política. Mas acabo voltando ao tema.
³ Obviamente, não estou descartando a importância da discussão de que as provas, em contexto jurídico, sejam obtidas por meios legais. No entanto, este não é o objetivo do texto, e sim problematizar o fato de como facilmente se tem deslocado o foco da discussão, como se o conteúdo dos áudios fosse tema de menor importância.