quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Cidade Fantasma





UMA POSTAGEM FANTASMAGORICAMENTE ASSUSTADORA!








Janeiro de 2014. Ligo o computador. Abro o navegador. No browser, digito o endereço do site que desejo visitar. Orkut.

Sou direcionado para a página de login do site. Sou inundado por estranhas emoções. Difícil até de descrever. Um misto de nostalgia com melancolia, quando percebo que estou revisitando um site que não entro há pelo menos quatro anos. E que praticamente ninguém mais entra também. Fui um dos últimos a abandonar o Orkut.

Na página de login, tento me lembrar de como ela era antigamente. Várias fotos de pessoas sorrindo, representando os usuários do Orkut, com a famigerada frase do site: “Quem você conhece?”.

Digito meu e-mail no campo login. Até aí, fácil. Tenho o mesmo login para todos os sites dos quais possuo cadastro. Até por isso que minha caixa de entrada do e-mail principal enche todos os dias, repleto de spams enviados pelos sites. Mas quando chega na hora de digitar a senha, aí vem o problema. Qual é mesmo a minha senha?

Penso em minha senha padrão atual e a descarto imediatamente como minha senha do Orkut. Assim como muitos usuários da internet, cometo o erro de utilizar como senha de minhas contas algum número ou palavra significativa de minha vida. E, geralmente, é algo que é significativo APENAS naquele momento. Sendo assim, minha senha atual não devia ter nada a ver com a senha antiga. Comecei a fazer um esforço mental para me lembrar de quais eram as senhas que eu utilizava alguns anos atrás. Seria o nome da fonte daquele jogo que eu tanto gostava? Ou talvez seria a soma dos dígitos que compõe o número do meu RG com os números 11.111.111-1? Quem sabe, fosse o nome da cidade onde eu sonhava morar, junto com o ano que eu pretendia atingir essa meta de minha vida? Meu Deus, quantos sentimentos estranhos posso ter com o simples ato de revisitar um site de relacionamentos antigo! Comecei a pensar em outros usuários do Orkut que também abandonaram a plataforma. Qual seria a senha deles?

Existem dois tipos básicos de ex-usuários do Orkut. O primeiro grupo é composto por pessoas que excluíram suas contas antes de deixar o site. E o segundo grupo é composto por pessoas que foram gradativamente visitando menos o site, até finalmente abandoná-lo de vez. Mas suas contas ficaram lá. Suas vidas, suas ações. Desse segundo grupo, qual seria a reação das pessoas ao serem confrontadas com suas antigas senhas? Alguns talvez dissessem: “normal, eu sempre usei a mesma senha, então eu uso ela até hoje”. Outros no entanto, se surpreenderiam. E aqueles que colocaram a data de início de um antigo namoro? O nome de um jogador de futebol que até já se aposentara? A comida preferida, que tivera de abandonar, por motivos de saúde?

Tentei duas senhas antigas, mas falhei na autenticação de usuário em ambas. Quando já estava para clicar em “esqueceu a sua senha?”, me ocorreu uma terceira senha antiga. Digitei ndpaoqvpfdda e cliquei em entrar. E não é que entrou? Achei aquilo incrível. Uma combinação aparentemente aleatória de letras, mas que na verdade representavam as iniciais das palavras de uma frase significativa para mim, era a senha que tinha ficado em meu Orkut quando eu o abandonei. O mais impressionante nisso tudo é que, enquanto o Orkut era logado, eu pensei na frase que servia de base para a senha, e como aquilo não dizia mais nada sobre mim, sobre quem eu era ou sobre o que eu acreditava!

Assim que o Orkut foi logado e eu fui jogado na página inicial, mais recordações vieram a mim. A primeira lembrança era de quando eu acessava o Orkut antes. Logo na página de entrada, algumas informações interessantes surgiam. O número de usuários do Orkut (quando entrei, o número estava na chegando aos 30 milhões, e em pouco tempo, o número dobrou para 60 milhões, até essa função ser desativada do site), o número de visitantes de minha página pessoal no dia e na semana, bem como o link para o perfil das últimas pessoas que visitaram o meu.

Agora, o Orkut estava bem diferente. No período em que utilizei o site, vivenciei duas mudanças de layout, uma mais traumática do que a outra: a primeira, com apenas algumas alterações no modo de navegação, a segunda, radical ao extremo.

Comecei a navegar pelo site. Abri várias abas no navegador simultaneamente: meu scrapbook, meus depoimentos, minhas comunidades, meus amigos. Nas páginas de recados e de depoimentos, vi juras de amor eterno, promessas de amizades que jamais acabariam, frases de efeito como “nem o tempo, nem a distância serão capazes de nos separar, meu grande amigo”. Sorri, abobalhado. É claro que as promessas não se cumpriram. Eu nem tinha mais contato com aquelas pessoas que escreveram tais recados. Amizade eterna? Enquanto durou... E essas pessoas? Estariam vivas? Casadas? Com filhos? Será que ainda moravam no mesmo lugar? Só tinha um jeito de saber: pesquisando sobre a vida dessas pessoas na nova rede social do momento.

Entrei em minhas comunidades e ri comigo mesmo das coisas que eu gostava. As comunidades geralmente diziam muito sobre uma pessoa. Diferente da maioria, eu cultivava um número baixo de comunidades, pois gostava de estar inteirado do que acontecia nas que eu fazia parte. Eu bem sabia que outras pessoas também estranhariam se vissem suas próprias comunidades. Quiçá diriam: “EU gostava disso?”. Quantas comunidades inúteis! Imaginei aquele cara, numa comunidade do tipo “eu amo academia”. Será que ele choraria quando visse que agora, ao invés de uma barriga de tanquinho, começava a ver uma barriguinha proeminente se formar? E aquele outro, que estava na comunidade intitulada “eu sento no fundão”? Fundão de que? Se já terminou a escola há tanto tempo, e não começou a faculdade? Só se for no fundão do busão agora, pois escola ficou lá no [fundão do] seu passado.

Entrei na lista de meus amigos. "Amigos". Que palavra forte as redes sociais costumam adotar! Preferia que eles colocassem “contatos”, e deixasse a meu critério decidir quem era amigo e quem não era. Provavelmente, a maioria dos contatos ficasse no segundo grupo. Recordei-me de como era status ter muitos amigos. Como era ser popular ter uma conta de Orkut com mil amigos e com uma mensagem de perfil lotado na descrição do “quem sou eu?”, acompanhado de um link direcionando para o “profile 2”, só atingível para quem tinha MUUITOS amigos. Pensando bem, o que mudou? Hoje em dia ainda não é assim? Quantas garotas postando foto no mural do facebook e se sentindo realizadas por receberem trocentas curtidas? Algumas ainda acrescentam um título na foto, só pra chamar mais a atenção e receber mais elogios: “feia”. Meu conselho para essas meninas: vai lavar a louça!

No perfil de algumas pessoas, não resisti e entrei. Vi o perfil de uma garota da minha idade, que só na época em que estudei com ela, a vi trocar de namorado duas vezes. Em seu perfil, uma foto dela sendo abraçada por trás pelo seu então atual namorado, que, curiosamente, não era nenhum dos três com quem eu a vi antes. Soube, por meio de conversa com amigos (amigos mesmo?) que ela agora estava noiva de um cara de outra cidade, onde ela estudava. Eu sabia que não era aquele carinha da foto, pois eu o conhecia de vista. Nos depoimentos, juras de amor eterno. Nos recados, mensagens extremamente melosas. Tudo no passado.

Pense numa cidade fantasma. Por cidade fantasma, não entenda uma cidade COM fantasmas, mas uma cidade que um dia teve pessoas ali vivendo, mas que por algum motivo (ataque zumbi, peste mortal ou catástrofe natural) agora não tem mais ninguém. É exatamente assim que me sinto no Orkut. Quantas pessoas se envolviam diariamente com aquele site, depositando ali toda a sua intimidade, fotos, pensamentos, sentimentos e emoções, se abrindo totalmente, e que agora tinham suas histórias ali registradas. Quantas pessoas que até mortas já deveriam estar, mas que suas contas permaneciam como um tributo a sua existência e a sua passagem pela Terra.

Eu, em meus devaneios, crio uma história absurda: supondo que a raça humana fosse extinta, o que pensaria um alienígena que viesse ao nosso planeta e dominasse nossa linguagem e também a nossa tecnologia, ao entrar no Orkut? Quais as impressões ele teria dos seres que antes aqui viviam? O que as redes sociais, agora cidades fantasmas, diriam sobre nós?


Página de login do Orkut.


Modelos irreais e inatingíveis do Orkut.


Versão brasileira dos modelos do Orkut.


Layout do Orkut, verrsão 0.0947853.675.13.9 (para internet explorer): perfil do Kleber Sá.


Layout do Orkut com algumas inovações: perfil do Eduardo.


Layout do Novo Orkut: perfil do Robson.


Layout do novo Novo Orkut: perfil da Mari.


O Orkut hoje.


E o novíssimo Novo Orkut do mercado.


E pra finalizar, a foto de um fantasma de verdade.